“Estamos fazendo tudo o que podemos para manter nossas crianças seguras”, declarou o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, ao anunciar que seu país aprovou, no fim de novembro, uma lei para impedir o uso das redes sociais por menores de 16 anos. A legislação tem amplo apoio público — 77% da população, segundo pesquisa do YouGov —, mas ainda há dúvidas sobre como funcionará na prática, além de questionamentos acerca de sua eficácia e os danos à saúde mental dos jovens. Apesar disso, a medida está em consonância com iniciativas similares — embora ainda não aplicadas efetivamente — em países europeus e vários estados americanos, apontando uma tendência que pode se tornar cada vez mais presente no mundo.
— Isso é sobre proteger os jovens, não puni-los ou isolá-los — disse, em novembro, Michelle Rowland, ministra das Comunicações da Austrália, citando a exposição a conteúdo sobre drogas, transtornos alimentares e violência como alguns dos danos que crianças podem encontrar on-line.
Atualmente, as plataformas mais populares já aplicam um controle para novos usuários, proibindo o acesso a menores de 13 anos — idade fixada pelas plataformas mais populares com base na Lei de Proteção da Privacidade On-line das Crianças (Coppa, em inglês), dos Estados Unidos, que entrou em vigor em 1998. Na prática, porém, o filtro pode ser facilmente burlado, já que não há como comprovar se a informação inserida é verdadeira — uma pesquisa do Ofcom, regulador de mídia do Reino Unido, mostrou que 22% dos menores de 8 a 17 anos mentem a idade na hora do cadastro.
Pensando nisso, a ideia da lei australiana é pôr nas plataformas de redes sociais o ônus da implementação de “medidas razoáveis” para impedir que menores se cadastrem em seus serviços. Caso sejam encontradas “falhas sistêmicas” nesse processo, permitindo que o bloqueio seja furado de alguma forma, as empresas poderão ser multadas em até 49,5 milhões de dólares australianos (cerca de R$ 194 milhões). A legislação também prevê que as plataformas implementem medidas para garantir que os menores não sejam expostos a conteúdos impróprios, como pornografia e violência. Pais e filhos não serão penalizados em nenhuma instância em casos de violações.
A lei, no entanto, não tem uma data para entrar em vigor, e o governo ainda vai realizar uma série de testes ao longo de 2025 sobre verificação de idade sem infringir a privacidade dos usuários. Mas já há muitos detalhes pouco claros e questionamentos em aberto.
Primeiro: não se sabe ao certo quais plataformas serão diretamente afetadas — isso seria incluído posteriormente. Mas alguns nomes, como TikTok, Facebook, Instagram, Snapchat, Reddit e X, já foram mencionados. Não está claro também se aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, ficarão isentos da proibição, como citado em algumas reportagens sobre o assunto. Tampouco o YouTube.
Além das questões logísticas, que também passam pelas verificações de identidade e aplicação das multas, críticos argumentam que a proibição limitará os direitos dos jovens de expressão e acesso à informação, garantidos pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
Uma abordagem mais eficaz, defendem especialistas, seria exigir que as empresas de mídia social façam um trabalho melhor de moderação e remoção de conteúdo prejudicial, disse ao New York Times Lisa Given, professora de Ciências da Informação na Universidade RMIT, em Melbourne.
— Na verdade, a lei pode criar outros problemas ao excluir dos jovens informações úteis, além de abrir uma série de preocupações sobre a privacidade para todos os australianos — disse a professora.
Christopher Stone, diretor da Suicide Prevention Australia, criticou a lei por ignorar os benefícios das redes sociais para a saúde mental e conexão dos jovens, acrescentando que a decisão foi apressada e carece de base científica.
— Cortar esse acesso pode exacerbar sentimentos de solidão e isolamento — disse.
Esse risco também foi apontado pela representante da Comissão dos Guardiões e Defensores das Crianças da Austrália e Nova Zelândia (ANZCCGA), Jodie Griffiths-Cook, sobretudo entre minorias no país: “Não houve consideração suficiente para os impactos adversos sobre crianças LGBTQIA+ e jovens de áreas remotas, muitos dos quais dependem das redes sociais para apoio e conexão social”, disse em nota.
Mas muitos apoiam a medida, argumentando que atrasar a exposição infantil às redes ajuda no desenvolvimento de uma “identidade mais segura” e reduz a pressão sobre os pais.
— É tarde demais para minha filha, Carly, e para muitas outras crianças que sofreram terrivelmente e perderam suas vidas na Austrália, mas vamos nos unir em nome delas e abraçar isso juntos — disse no Senado australiano Sonya Ryan, cuja filha de 15 anos, Carly, foi assassinada por um pedófilo de 50 anos que fingia ser um adolescente on-line.
Apesar das controvérsias, outros países também tentam implementar medidas similares. Um exemplo é o da União Europeia (UE). Atualmente, não há uma regra unificada para os países do bloco, valendo o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR, na sigla em inglês), de 2015, que permite que cada Estado-membro defina sua própria idade mínima para consentimento no uso de plataformas digitais, com um limite entre 13 e 16 anos.
A França, entretanto, tem liderado a frente para impor medidas mais rigorosas em todo o bloco, pressionando a Polônia, que assumirá a presidência rotativa da UE a partir de janeiro de 2025, para fixar a idade mínima em 15 anos — a mesma aprovada por Paris em 2023, mas que ainda não entrou em vigor. O apelo francês foi reiterado recentemente pela premier da Dinamarca, Mette Frederiksen.
Sem a unificação do limite na UE, as regras sobre o uso de redes sociais por crianças variam de país para país. Na Alemanha, jovens entre 13 e 16 anos precisam de consentimento dos pais para usar as redes sociais; na Bélgica, desde 2018, crianças devem ter pelo menos 13 anos para criar contas sem autorização parental.
Já na Holanda, não há idade mínima para redes sociais, mas o uso de celulares foi proibido em salas de aula este ano, com exceções para aulas digitais e alunos com necessidades especiais. Medidas parecidas também foram tomadas ou estão sendo testadas em menor escala na França, Bélgica, Hungria, Itália e Grécia.
E no Reino Unido, apesar de estar oficialmente fora do bloco europeu desde 2020, ainda vale a regra da idade mínima de 13 anos para cadastro em redes sociais sem consentimento dos responsáveis, adotada antes do Brexit. O governo britânico também aprovou, em 2023, a Lei de Segurança On-line, que estabelece regras mais rígidas para plataformas, incluindo restrições de idade, embora ainda não tenha entrado em vigor.
O movimento também é crescente nos estados americanos. Ohio, Utah, Arkansas, Texas, Califórnia e Mississippi aprovaram leis que exigem que menores tenham o consentimento dos pais para acessar mídias sociais, embora a Justiça tenha bloqueado a aplicação delas. A Flórida também aprovou uma medida semelhante, que, em tese, entrará em vigor a partir de 1º de janeiro, mas que já foi contestada no tribunal local.
Entre os exemplos que fracassaram, está o da Coreia do Sul. Em agosto, parlamentares apresentaram um projeto de lei com basicamente o mesmo objetivo que a lei australiana, que não foi adiante. Organizações juvenis a criticaram como tentativa de controle, lembrando a “lei Cinderela” de 2011, que proibia menores de 16 anos de acessar sites de jogos após a meia-noite para combater o vício em videogames. Acabou sendo abolida dez anos depois.
Por outro lado, um exemplo não restritivo que deu certo é o da Finlândia, que há pelo menos uma década adota uma abordagem voltada para a alfabetização digital desde os primeiros anos escolares, entre outras iniciativas na área para a população no geral. O sucesso é evidente: o país lidera, desde 2017, o Índice Europeu de Alfabetização de Mídias, desenvolvido pela Comissão Europeia para fornecer dados sobre como a população no bloco está preparada para enfrentar os desafios da era digital.
O Globo